segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Salò ou os 120 dias de Sodoma

O ser humano não precisa conhecer, nem provar nem sentir tudo o que existe.
Cada um faz as suas escolhas e lida com as consequências de acordo com as possibilidades que existem em determinados momentos.
Neste sentido, o que pode parecer bastante desagradável para um, por outro lado, pode ser muito saboroso para outro. Penso, por exemplo, numa bebida como o Campari.
A diversidade é saudável.
O respeito ao espaço do outro, claro, é fundamental.
Dito isso, tratarei aqui do filme que acabei de assistir:
Salò, or The 120 Days of Sodom (1975).
Não tinha visto o filme até hoje e esse foi o último escrito e dirigido por Pier Paolo Pasolini. [Um amigo emprestou o DVD.]
Não é qualquer um que suportaria ver um filme assim. E mais: dependendo o perfil da pessoa, ela poderia obter as mensagens do filme sem ter que necessariamente que assisti-lo.
Perdoem-me os puristas, mas essa é a minha opinião (e por isso mesmo fiz a pequena introdução antes de escrever sobre o filme).
Não é possível resumir a importância da obra de Pasolini a partir de Salò, or The 120 Days of Sodom. Nem dá para descartar que o filme retrata também o que Pasolini pensava.
A base do filme é o livro de Marquês de Sade. Existe influência ainda de Dante e Nietzsche, entre outros.
A história ocorre entre os anos de 1944 e 1945 na Itália – período que representa o fim do sonho totalitarista de Hitler e de Mussolini.
Basicamente, dezoito adolescentes são sequestrados e
“submetidos a quatro meses de extrema violência, sadismo, tortura sexual (e mental).
O filme é conhecido por explorar os temas da corrupção política, do abuso de poder, do sadismo, da perversão, da sexualidade e do fascismo.”*
É a visão muito particular de uma artista importante sobre temas tão polêmicos. Deve ser respeitada.
Entretanto, acredito que seria possível discutir tais problemáticas sem ser tão explícito.
Talvez esse seja um problema de alguns filmes italianos e brasileiros: não basta insinuar que em tal momento (da história) o casal do filme resolve fazer sexo, seria necessário mostrar a cena de sexo. Por quê? A ideia não seria contar uma história, defender uma proposta ou qualquer coisa assim. Se a mensagem foi compreendida, OK, não precisaria ser explícito (exceto se a intenção fosse outra e a história seria só um pretexto para mostrar a tal cena de sexo).
Alguns artistas acreditam que precisam ser explícitos, chocantes e até desagradáveis para obter a atenção do público. Alguns subestimam a atenção da maioria e acreditam que se não for assim, as mensagens não seriam entendidas corretamente.
Não concordo com essas premissas.
Quanto ao filme de Pier Paolo Pasolini, vale como uma obra feita em plena Guerra Fria e na Itália (1975) a partir da representação de um período problemático da história da humanidade (o contexto da Segunda Guerra Mundial) e com leituras bem específicas de autores polêmicos como Sade e Nietzsche.
(*) No original: “The libertines kidnap eighteen teenage boys and girls and subject them to four months of extreme violence, sadism, and sexual and mental torture. The film is noted for exploring the themes of political corruption, abuse of power, sadism, perversion, sexuality and fascism.”
Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/Sal%C3%B2,_or_the_120_Days_of_Sodom

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

9 Semanas & Meia de Amor

Na época em que foi lançado nos cinemas, muitos não entenderam o sucesso, sobretudo entre as mulheres, do filme "9 Semanas & Meia de Amor". Mickey Rourke era uma galã em ascensão, o modelo de Hollywood no período. No entanto, isso não era suficiente para explicar o sucesso de um filme supostamente erótico. Aliás, cenas sensuais nunca atraíram a maioria das mulheres - tanto é verdade que o público de filmes pornográficos é basicamente masculino.
Assim, o que existiria de especial em "9 Semanas & Meia de Amor"? Não existia um final feliz como em uma "Linda Mulher" ("Pretty Woman"), mas o filme tratava de símbolos do ato sexual. Não era explícito. Não Precisava. O que importava era a representação das fantasias. Uma comum seria encontrar uma pessoa estranha, ao acaso, e viver uma intensa paixão. Essa fantasia estaria associada ao medo do desconhecido, na medida em que o objeto da paixão poderia ser qualquer coisa, inclusive um assassino ou um psicopata. 
Outra fantasia seria o "príncipe" ser bonito, elegante - sem exageros, o que explicaria a barba mal feita -, rico e excêntrico. O personagem de Rourke era uma síntese dessas características. Havia os jogos eróticos, como vendar os olhos diante da geladeira aberta e aceitar o que era colocado na boca: comida e sexo, dois desejos num único ato!
Vestir-se de homem e aparecer em público, com o apoio do namorado. Viver cenas homossexuais "masculinas" num restaurante, chocando os outros clientes... Fugir por becos, correr perigo, fazer sexo na chuva... Precisaria mais?
Ser presenteada com roupas caras numa loja, quando o seu amante paga tudo em dinheiro sem conversar sobre o preço da mercadoria. Menáge à trois... O simbolismo do relógio associado à obsessão de ser lembrado sempre.
Havia ainda a atenção e o carinho do namorado em cuidar dela quando estava doente. Tudo parecia perfeito no ponto de vistas das fantasias, mas, no final, a personagem iria embora e abandonaria o romance após um curto período de tempo (daí o nome do filme). Por quê? 
Aparentemente, paixão e fantasia não existem para durar. São chamas intensas e talvez por isso desapareçam rapidamente. Seria como se a vida cotidiana parasse o seu ritmo e existisse um "flash" de puro prazer, quando só haveria tempo para o casal viver a sua paixão! Quem já passou por algo assim, sabe que seria como uma doença, a obsessão de pensar e querer ficar com a pessoa amada vinte e quatro horas, o tempo todo. O resto - família, trabalho, estudo - perderia sentido. 
Mas... como viver assim durante toda a vida? Não é possível. Elizabeth - a personagem  do filme - sabia disto e foi embora antes da decadência da paixão. Seguiu, a sua maneira, a velha premissa do poeta Vinícius de Moraes: "que seja eterno enquanto dure".

quarta-feira, 1 de junho de 2011

DUAS INDICAÇÕES DE DVDS

Em 1848Marx e Engels iniciavam o Manifesto do Partido Comunista com uma frase que mais parecia a realização de uma profecia: “um espectro ronda a Europa - o espectro do comunismo.” De fato, no século XX, ocorreram as revoluções comunistas, sendo a primeira na Rússia em 1917.
“A Insustentável Leveza do Ser” e “Adeus Minha Concubina” tratam indiretamente deste assunto, com cenas memoráveis, como, no primeiro filme, a invasão feita pelos militares soviéticos naTchecoslováquia em 1968, e, no caso do segundo filme, a realidade da Revolução Cultural na China em 1966.
Muitos filmes mostraram as revoluções comunistas, mas, nestes dois, o cotidiano das pessoas aparece em primeiro plano, mesmo que sendo afetado pelas transformações políticas. Os diretores souberam mostrar de uma forma poética as contradições amorosas e os conflitos dos personagens que representam bem o que teria sido a vida no século passado.
Para quem prefere filmes ao invés de livros, estas são duas boas indicações.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

O SILÊNCIO DOS INOCENTES

A minha intenção não é analisar o filme "The Silence of The Lambs". O que acho interessante é que, na cerimônia do Oscar, na época, houve protestos dos homossexuais contra o filme, por causa de um personagem que matava e tirava as peles das garotas. No "making of", o ator, que fez o personagem, disse que não o pensou como um homossexual. No roteiro, aparece na fala do Dr. Lecter:


"ele não é travesti (transexual, homossexual). Ele tenta ser. Aliás, ele tenta ser várias coisas."

O interessante é perceber a leitura das pessoas sobre o filme, inclusive dos homossexuais que se sentiram ofendidos. Isso demonstra que, na sociedade, existe uma ênfase no que diz respeito à sexualidade do indivíduo. Ele "tem" que ser alguma coisa - hetero ou homossexual - e deve se encaixar num rótulo "simples". É isso e pronto.


Entretanto, o ser humano é mais complexo. Ele não é o que parece ser. Ele não é o que tenta ser. Ele não corresponde aos vários rótulos que os outros criam. Ele é um ser em construção. Isso não quer dizer "um ser em evolução". Significa apenas que ele está mudando sempre e nem ele sabe o que irá se tornar.


Aliás, a sua natureza dialética o impede de ser algo pronto. Ele nunca será resolvido. Ele sonha com a estabilidade e com a segurança, deseja a ordem na sua vida, mas tudo não passa de fantasia. Ele não tem e não terá paz.


O que o move é a contradição. Os problemas dão vida ao seu ser. Ele existe no conflito, na rachadura. Ele é "distorcido". Plásticas, silicones, terapias e Prozacs não o consertam.


Assim, querer defini-lo como um simples rótulo, como se ele fosse um produto de supermercado, é pouco, muito pouco. Fazer isso é perder o que é o outro. É correr o risco de ser enganado. Como diria Dr. Lecter no filme:


"his pathology is more savage."


Ou seja, trata-se de correr o risco de imaginar que existe "só" inocência num ser que predomina a selvageria.

AS INVASÕES BÁRBARAS

No filme "Les Invansions Barbares", um professor universitário é afastado por causa do câncer. No hospital, ele reclama que o reitor no foi despedir dele. Na sua última aula, era clara a indiferença dosalunos.
Para piorar, numa discussão com o filho, o velho professor tem que ouvir a seguinte crítica: "... o que é melhor que mofar em uma universidade medíocre em uma província atrasada." Para quem trabalhou tanto tempo em duas faculdades do interior, como foi o meu caso, trata-se de uma crítica e tanto.
Em suas reflexões, ele afirma que sentirá saudades sobretudo dos livros e das mulheres. Arrependimento? Ele diz que gostaria de ter escrito livros. Esse é um problema do professor de faculdade pequena: ele tem que dar muitas aulas e atividades como pesquisa e extensão não são valorizadas. Em resumo, ele torna-se uma "máquina repetidora de conhecimento", que vende o seu tempo em troca do salário. Normalmente, ele usa isso como desculpa para não produzir. É uma desculpa interessante, se pensarmos as condições de trabalho que ele tem. No entanto, não deixa de ser uma desculpa.
Obviamente, me identifiquei com a história do professor do filme. Existem pontos comuns divergentes. Apesar das faculdades não valorizarem, eu fiz duas teses, publiquei seis livros e escrevi artigospara revistas científicas. Produzi algo. Existem falhas nos trabalhos, reconheço, mas isso acontece com todos. O que importa é que arrisquei e publiquei. Arrependimento? Conscientemente, nenhum...Hoje em dia, costumo dizer que trabalhei tempo demais (a tal ideologia do trabalho...). Não sei, contudo, se isso seria um arrependimento.
O comum é ouvir perguntas sobre quando voltarei a dar aulas. As pessoas não acreditam que você possa viver sem estar associado a uma empresa ou instituição. Por quê não? Não sei se voltarei a dar aulas. Quando surge esse assunto, digo que sou formado para ser professor e pesquisador, ou seja, dou aulaspesquiso escrevo. Das três coisas, atualmente, só não trabalho em sala de aula.
Nas reuniões que participava como docente, era comum ouvir gente dizendo que gostaria de ter tempo para ler e escrever, sem se preocupar com o cumprimento de horários e com o cartão de ponto. Hoje eu tenho esse tempoE leio e escrevo.

BENJAMIN

O romance de Chico Buarque e e atuação de Paulo José salvam o filme. Apesar de ser seu primeiro filme, a presença de Cléo Pires é interessante.
A produção não é boa, mas a história envolve, faz pensar. Nada mal. 
As falas dos personagens em (quase) nada tem a ver com a visão de Chico Buarque, que viveu no Rio de Janeiro, na época da ditadura militar.
No filme, existem contradições que poderiam ser vividas por qualquer um. Paulo José, como Benjamin, consegue transmitir a angústia de um indivíduo apaixonado, alienado, que "não agiu por mal", mas os seus atos tiveram conseqüências desastrosas para os outros. Teve que conviver com esse fantasma.
Todo velho tem que lidar com os dilemas da atualidade e do passado. Com Benjamin, não foi diferente. A história do personagem apresenta questões importantes para a reflexão. Só por isso, valeria a pena ver o filme. 

BRUNA SURFISTINHA - O FILME

Levar para o cinema a história de "Bruna Surfistinha" sem destacar os episódios sexuais da personagem era um desafio. Acredito que Marcus Maldini conseguiu isso com o seu filme. Ele mostrou uma história que destaca as crises de uma adolescente que foge de casa e torna-se garota de programa. Enfatizou os problemas da personagem sem apelar para a pornografia. A atuação de Deborah Secco contribuiu bastante para o resultado do filme.
A história tornou-se tão envolvente que as cenas de sexo ficaram para um segundo plano. Se for levado em consideração o tema do filme, tratou-se de um trabalho excelente, sobretudo se for considerada a associação da produção cinematográfica brasileira com a exploração das cenas sensuais (desde a chamadas "pornochanchadas" da década de 1970).
Não romantizar a vida de uma garota de programa foi outro mérito do filme. O destaque ao uso das drogas, que até então era pouco enfatizado na imagem da personagem, mostrou os riscos da profissão e o lado negativo das festas e das boites - que aparecem, na mídia, somente como lugares de "glamour", de sorrisos e de gente bonita.
Certamente a trajetória de Bruna Surfistinha não foi diferente de muitas outras garotas. Em janeiro de 2006, a revista Época já havia tratado do tema. Neste ano, publiquei um artigo sobre o assunto no Caderno de Turismo, com o título de "Turismo, sexo e negócios: algumas problemáticas", no qual afirmei (p. 25):
"(...) O caso 'Bruna Surfistinha' ilustra bem esta realidade. Em suma, ela era uma garota de programa que descrevias os seus 'trabalhos' na internet, no seu 'blog'. Este material tornou-se conteúdo de um dos livros mais vendidos, chamado 'Doce Veneno do Escorpião', publicado pela editora Panda Books. 'Bruna Surfistinha' virou celebridade. Foi capa da revista Época e participou de programas de televisão. A novidade, talvez, seja, como descreveu a revista, a opção pela 'profissão mais antiga do mundo' feita por garotas de classe média, que estudam em universidade particulares, vivem em 'flats' e consomem produtos caros."
É difícil prever se o filme fará tanto sucesso como o livro. De qualquer maneira, Marcus Maldini fez uma leitura interessante sobre a vida da "Bruna Surfistinha".